Apesar de as minhas amigas dizerem que falo pelos cotovelos, de há anos para cá tenho vindo a tentar cultivar em mim o dignificante hábito de ouvir.
Esforço mui penoso este, para mim pois, e volta e meia, lá me topo de boca aberta... e às vezes, mais valia ter ficado calada porque já falei de mais!!
Enfim, como digo, cultivo arduamente o hábito de ouvir!
E tenho ouvido muitíssimas coisas interessantes!
Do que mais me fascina ouvir é da História, das suas estorietas e das suas personagens. A História ensina-nos incríveis lições de vida; algumas, infelizmente, e apesar dos tristes desfechos, repetíveis ciclicamente.
Na História, fascinam-me sobremaneira os ditadores, os absolutistas, os oligarcas, Césares, Napoleões e Fidéis ... e depois as Pompadoures e as Du Barrys que os cercam, e no fim todo aquele séquito aríete que inevitavelmente os segue à cata de sobras - sejam sobras de poder, de dinheiro, de fama, fortuna ou prazer....O ser humano é um slow-learner!!
Fascina-me a personalidade electrizante destes homens, capazes de mesmerizar multidões com o seu discurso inflamado,de as conduzir à glorificação da barbárie e à exaltação do absurdo...
Fecho o livro de História e reflicto: por trás destas personalidades tão singulares jaz um pensamento, uma filosofia, um culto do "eu" tão avassalador que cega e emudece.
São seres de tal forma egocêntricos que justificam qualquer meio para atingir o seu fim; e o seu fim é quase sempre, e invariavelmente, deixar o seu nome escrito nas páginas da História, indelével.
E do outro lado, inevitavelmente também, há uma multidão com fome: fome de ideias, de vontades, de grandeza, de feitos e glórias ... ou então, fome mesmo, pura e dura!
Os grandes ditadores do Mundo estão lá todos, nas páginas incontáveis da História, até quando ela não os coroa de louros...
E depois do Mundo, há o 'nosso mundo': aquele mundo em que vivemos, feito das nossas histórias, com os nossos ditadores e as nossas Pompadoures... Os ditadores desfiguram-se em caciques e as oligarquias em famílias políticas.
(Nada como a actualização lexical para pôr a História em dia!)O pior é quando o povo lá vai saciando as suas fomes ,e pensa!
Pensa no que diz, mas sobretudo no que ouve!
E quando pensa - seja porque está farto de ser pau-mandado ou porque porque está farto das tretas do costume - acontece a mudança!
Ou como se diz na linguagem política do séc.XXI, a alternância!
E a morte do caudilho...!
No fim, e que se repete sempre, ciclicamente, o povo não aprende nada com as lições da História:arranja logo outro caudilho para pôr no lugar do anterior,perpetuando a necessidade inquebrantável de ter sempre alguém que diga por ele,enquanto se entrega,por mais um período de tempo,à doce tarefade não pensar no que ouve.Parece que é isto a que chamamos democracia.
4 comentários:
Na democracia ateniense, nem todos votavam; as mulheres e os estrangeiros, por exemplo. No democrático regime republicano português, as mulheres também não. Na nação-mãe da democracia ocidental, tal como hoje a conhecemos, os EUA, os negros só tiveram direito a voto já o século XX ia longo. Hoje, votamos todos, mas, antes, devíamos ter aprendido a fazê-lo. E devíamos ter percebido que a democracia não se esgota num dia.
Quando deixermos de estar anestesiados com o que temos, vamos perceber tudo o que nos falta.
Salomé
O ser humano não é um slow-learner, mas sim um dream-learner porque persiste na ideia de que nem sempre a história se repete e de que o amanhã será mais radioso. Slogans como "Nunca mais", "Make love not war" ficam no adormecidos no subconsciente, subjugados ao nosso ser primitivo de onde se revela o instinto belicista e destruidor, que é intermitente, pois para se poder destruir é preciso construir primeiro. A ascensão de uma determinada cultura é sempre precedida de sentimentos de inveja e cobiça, num misto de ódio e admiração. O sucesso dos outros evidencia a nos derrota e se não se pode fazer tanto ou mais como os que admiramos, então conquistamo-los ou destruímo-los.
A História é quase sempre a exaltação da infâmia, da vertigem doentia, que a cobro de heroicidade é-nos oferecida de forma glorificada.
Há quem diga que a diferença entre democracia e ditadura reside apenas no facto de na primeira deixarem-nos votar antes de nos obrigarem a aceitar o que não desejamos.
Se temos duas orelhas e uma boca é porque deveríamos ouvir mais do que falamos...
Ouvir, saber "ouvir" é uma arte e para isso não basta ter orelhas,é preciso também audição crítica, tal como para "ver" não basta ter olhos, mas visão.
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