segunda-feira, abril 14, 2008

A ceifeira

Já dizia o meu querido avô que nascemos apenas com uma certeza: a certeza de que 'um dia' havemos de morrer.
Passo os olhos pela história dos homens e mal posso acreditar neste fado certo, tanta é a miséria humana: do crime violento à inveja mais mesquinha, passando pelo ódio, a indiferença, o insulto, a vaidade, a avareza, o orgulho, às privações de todo o tipo e feitio... dir-se-ia que todos achamos que esse 'um dia' será sempre amanhã.
E, então, vamo-nos entretendo nas nossas vidas tão preenchidas e ocupadas, sem tempo para nada, e felizes por assim ser, já que desta forma nos inoculamos tão eficazmente contra as maleitas da vida dos afectos da família (assim mesmo, sem vírgulas, que é para fazer pensar melhor...).
Sem tempo para nada, nem para ninguém!
A não ser, claro, para as coisas boas da vida, aquelas que não dão trabalho nenhum, e até nos caem no colo, quase de mão-beijada - por assim dizer - porque é assim que somos: divertidos e felizes e os outros adoram pulular à nossa volta... porque não damos trabalhinho nenhum, nem chateamos nada... porque eles também não fazem parte dessa parte da nossa vida dos afectos da família... que nos dá tanta chatice, tanta canseira e tanto trabalho!! Chiça...
E um dia, aquele 'dia' chega.
E a inexorável ceifeira bate-nos à porta, sim à nossa porta e arrebata-nos alguém amado... para todo o sempre... para nunca mais!
E então conhecemos outra versão do nosso 'eu' - do 'eu' verdadeiro!
Uma versão até agora desconhecida, que sempre fomos capazes de rever nos outros, com um esgar de horror, nojo até... a culpa e o remorso!
Mata-nos, dilacera-nos, por dentro e por fora!
De repente, damo-nos conta que nada mais há a fazer a não ser viver com as opções tomadas, as mais fáceis, as que envolvem menor possibilidade de chatice, as que estão no caminho certo da nossa busca pela nossa felicidade!, nossa e só nossa! essa felicidade pela qual tão laboriosa e silenciosamente lutámos, escondendo-a de todos!, essa felicidade que havemos de conseguir a todo custo porque é nossa e merecêmo-la!!
Ahhh, ditosa felicidade que embriaga!
Conseguida à custa dos afectos de quem nos rodeia: da indiferença, da ausência, do insulto, do ódio, do orgulho... "porque hoje não posso, tenho imenso que fazer, e logo tenho um jantar de amigos..!" e depois "não te preocupes, eu estou sempre aqui!"
...tolos!!
E a ceifeira chegou!
E as pontes ficaram por atravessar
E as palavras por dizer
E os abraços por dar
E o amor por oferecer!
ps: para todos quantos perdemos um ser amado que partiu sem dar aviso, e para os demais que acham que todos vamos cá andar para sempre...

2 comentários:

Afronauta disse...

Jamais poderia começar um texto num momento destes com a a frase: eu sei o que estás a sentir... pois não sei, não por falta de sensibilidade ou empatia, mas apenas porque só nós sabemos o que é perder quem se ama.Apesar disso é enorme a tristeza com que aqui me manifesto.
Já reparei que só eu fui capaz do atrevimento de te escrever, mas certamente que as pessoas realmente importantes terão tido a a oportunidade de te olhar nos olhos e enchendo-se do teu abraço, depositarem no teu coração a sua solidariedade sempre tão forte, apesar de em alguns casos, silenciosa.
Daqui, deste lado do ecrã, desta forma tão fria, pobre e impessoal tomei a ousadia de te deixar o meu pesar, esperando que estas pobres palavras possam tocar-te tal como o teu grito de revolta me sensibilizou.
A ti e a todos os que te acompanham neste momento de perda, as minhas mais sentidas condolências.
Como não tenho outra forma de te poder falar e como estas linhas se dirigem apenas a ti e aos teus, entenderei que depois de leres apagues.
Beijo

ele há dias felizes disse...

obrigada pelas palavras tão bonitas...